sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dom Quixote e Raskólnikov


E você, meu caro, o que está lendo no momento?

09/12/2010

Vêm chegando as férias e com elas o direito às leituras renunciadas ao longo do semestre. Eu mais ou menos sei o que quero ler nesses momentos, não o livro exato, mas o tipo de leitura: em geral, a) os grandes clássicos universais, b) os autores vivos, mas também – como não? –  c) as releituras.
Já me aconteceu várias vezes de voltar, por exemplo, ao delicioso Don Quijote de la Mancha, não ao livro todo, mas a trechos inesquecíveis, para os quais sinto necessidade de retornar, como quem volta a uma velha cidade conhecida. Com sua concepção de literatura como entretenimento[1] e seu “escribo como hablo”, Cervantes é um autor agradabilíssimo. Sua sintaxe flui, provocando risos e sorrisos: solta, colorida. E vale a pena, mesmo para alguém tão inábil com línguas estrangeiras como eu, a aventura de ler ao menos alguns trechos em espanhol. A criatura de Cervantes – El ingenioso hidalgo Don Qvixote de La Mancha – inaugura o conflito central do herói das narrativas modernas: o descompasso entre o ser e o meio, a cisão entre o desejo e a realidade, conflito que é o de Werther (Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe), o de Julien Sorel (O vermelho e o negro, de Stendhal), o de Ema Bovary (Madame Bovary, de Flaubert) e o de Raskólnikov (Crime e castigo, de Dostoiévksi), para ficar em alguns exemplos expressivos.
Li o Quixote aos vinte e tantos anos, com indicação e orientação da grande professora Maria Augusta da Costa Vieira, autora de um trabalho maravilhoso sobre a obra de Cervantes[2], o qual ampliou e deu significado ainda mais especial à minha leitura. Li a tradução de Sérgio Molina, na belíssima edição bilíngue da Editora 34, com ilustrações de Gustave Doré e excelente apresentação da própria Maria Augusta Vieira.
Volto ao livro quando posso, quando quero. E confesso que às vezes me pego simplesmente pensando nele, no vigor de sua expressão, em sua grandeza, em seu mistério extraordinário de poder ser conhecido mesmo daqueles que jamais folhearam suas páginas – porque Dom Quixote é mais que um livro, é um universo, do qual mesmo não-leitores participam.
Convivo com o fidalgo de La Mancha por meio de outras personagens, reencontro-o no singelo Policarpo Quaresma (Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto), no divertidíssimo Geraldo Viramundo (O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino) e entre dezenas de sonhadores incompreendidos, soterrados pelo pragmatismo e atropelados pela anomia moderna.
Crime e castigo é outro livro ao qual sempre retorno. Li-o três vezes. A primeira leitura foi ardorosa e provavelmente bastante ingênua, aos dezessete anos. Uma tradução indireta, do escritor Marques Rebelo, já que na época não existia esse grande volume de traduções diretas do russo. Daquela primeira leitura, as recordações são vivas. Lembro-me até dos lugares onde me sentei para ler: praças, terminais de ônibus, a mesa da cozinha de casa. Uma experiência fulminante. Riquíssimo foi o reencontro, mais de dez anos depois, pela tradução direta do russo, realizada pelo grande Paulo Bezerra. Ao contrário do riso, que salpica o trágico percurso de Quixote, a companhia de Raskólnikov provoca desassossego, desamparo, tristeza, paixões desesperadas. E mesmo assim é uma grande companhia, cujos ensinamentos calam profundamente. Pela técnica de Dostoiévski, que prima em dar voz a várias personagens, oferecendo assim diversos ângulos sobre os fatos do enredo, fica difícil classificar como secundárias as figuras de Razumíkhin, Sônia ou Svidrigáilov, pois têm um sentido profundo no enredo e oferecem, tanto quanto o herói, possibilidades de leitura da realidade. Por isso Raskólnikov é também o que dizem e pensam sobre ele as outras personagens da narrativa. A companhia então, nesse caso, se alarga: é uma galeria de pessoas que passam a fazer parte de sua vida.  Sempre que me perguntam qual o livro de que mais gosto, respondo sem titubear: Crime e castigo. Não quer dizer que seja a pura verdade, mas quer dizer alguma coisa.

(disponível em http://prefaciocultural.wordpress.com/tag/editora-34, acesso em 7/12/12)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Histórias de livros

"P.S. Eu te amo": Uma linda e surpreendente história de amor desvendada numa sessão de clube de leitura. E outras histórias tocantes, contadas por livreiros.
Leia aqui !

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Vestido de noiva na TV

Trecho da peça Vestido de Noiva, com Lílian Lemmertz e Edwin Luisi (TV Cultura, 1974, "Teatro Dois")

http://www.youtube.com/watch?v=yweLdagIpK4&feature=related

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

VESTIDO DE NOIVA


Obra inaugural e fundamental de Nelson Rodrigues, Vestido de noiva foi o livro escolhido para a leitura de novembro do Legere. Junte-se a nós e leia também!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Leitura do mês de novembro



Seguindo nosso objetivo, nosso próximo autor será Nelson Rodrigues, o controverso autor cujo centenário também está sendo comemorado este ano. Vão aqui algumas sugestões de títulos para escolha:

A menina sem estrela (crônicas, Agir)
O óbvio ululante (crônicas, Agir)
Vestido de noiva (teatro, Nova Fronteira)
Nelson Rodrigues por ele mesmo (biografia, Nova Fronteira)

Leia mais:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=814

http://www.nelsonrodrigues.com.br/

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

ABC de ANTÔNIO BALDUÍNO

Este é o abc de Antônio Balduíno
negro valente e brigão
desordeiro sem pureza
mas bom de coração.
Conquistador de natureza
furtou mulata bonita
 brigou com muito patrão
.........................................................
morre de morte matada
mas ferido à traição
(do abc* de Antônio Balduíno)

*Os ABCs são livretos de histórias heroicas, muito populares entre as classes baixas do povo baiano.

Assim termina Jubiabá, cujo final vamos comentar no próximo encontro do Legere, dia 25/10.
Mas também haverá tempo para conversarmos sobre as primeiras impressões da leitura de E se amanhã o medo, de Ondjaki.


http://www.linguageral.com.br/autor/ondjaki/

sábado, 29 de setembro de 2012



Além da discussão de Jubiabá,  na Casa das Rosas, o último encontro do Legere teve brinde com vinho do porto!

Como tantas palavras derivadas do Latim, ler originalmente teve um significado que provém da agricultura.
Nesse idioma, legere queria dizer primitivamente “colher, escolher, recolher”, como quando as pessoas selecionam e retiram do pé os melhores frutos, os melhores cachos.
Passou ao sentido atual de “obter informações através da percepção das letras” porque fazer isto indica uma capacidade de escolher e definir corretamente letras e palavras. É equivalente à expressão latina legere oculis, “colher com os olhos”.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Entrevista com Rubens de Figueiredo

O escritor e tradutor - que é professor de português da rede pública! - faz interessantes observações sobre a literatura russa do final do século XIX em relação com a literatura norte-americana contemporânea.

http://youtu.be/aa0doZ_TRRs

terça-feira, 11 de setembro de 2012

JUBIABÁ, um modelo de romance


O livro de setembro do Círculo das Letras é em homenagem ao centenário de um dos mais importantes escritores brasileiros, Jorge Amado.
Jubiabá, publicado em outubro de 1935, teve Carybé como capista nos anos 1940, e encantou leitores de todo o mundo, com traduções em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, grego, húngaro e chinês.
O escritor francês Albert Camus, em 1939, afirmou: "Um livro magnífico e prodigioso. Se é verdade que o romance é antes de tudo ação, esse é um modelo do gênero. [...] Poucos livros se afastam tanto dos jogos gratuitos da inteligência. Vejo nele, ao contrário, uma utilização emocionante dos temas folhetinescos, um abandono à vida no que ela tem de excessivo e desmesurado."

terça-feira, 4 de setembro de 2012

domingo, 26 de agosto de 2012

Próximo encontro do clube: dia 30/8, às 19h30, na Casa das Rosas.

Para pensar na personagem central de Crime e Castigo:



"O personagem de Dostoiévski tem pelo menos três camadas. Na camada de cima fica o motivo declarado: Raskólnikov, digamos, apresenta várias justificativas para o assassinato da velha. A segunda camada envolve a motivação inconsciente, aquelas estranhas inversões em que o amor se transforma em ódio e a culpa se expressa como amor nocivo e doentio. Assim, a louca necessidade de Raskólnikov de confessar o crime à polícia e à prostituta Sônia prenuncia o comentário de Freud sobre a ação do superego: "Em muitos criminosos," escreve Freud, "principalmente nos jovens, é possível detectar um sentimento de culpa muito forte que existia antes do cirme, e que, portanto, não é resultado dele, e sim o motivo. [...] A terceira e mais profunda camada de motivações escapa a qualquer explicação e só pode ser entendida em termos religiosos. Esses personagens agem assim porque querem ser conhecidos; mesmo que não percebam isso, querem revelar sua baixeza; querem se confessar. Querem revelar a sombria ignonímia de sua alma, e assim, sem saber por quê, adotam um comportamento medonho e "escandaloso" diante dos outros, para que as pessoas "melhores" do que eles possam julgá-los pelos canalhas que são. (WOOD, James. Como funciona a ficção. p. 141)



O que vocês acham da afirmação? Em algum momento da leitura ocorreu a vocês pensar em algo parecido com o que o teórico inglês aponta?

sábado, 11 de agosto de 2012


Trecho para reflexão:
"  - Hoje eu abandonei meus familiares - disse ele -, minha mãe e minha irmã. Doravante não vou procurá-las.
   - Por quê? - perguntou Sônia meio pasma. O encontro recente com a mãe e a irmã dele deixara nela uma impressão extraordinária, ainda que vaga para ela mesma. Ela ouviu quase com horror a notícia do rompimento.
   - Agora eu só tenho a ti - acrescentou ele. - Vamos seguir juntos... Eu vim te procurar. Nós dois juntos somos malditos, então vamos seguir juntos!
   Os olhos dele brilhavam. "É como um louco!" - pensou por sua vez Sônia.
   - Seguir para onde? - perguntou ela apavorada e recuou involuntariamente.
   - Vou lá eu saber? Sei apenas que é pelo mesmo caminho, isso sei ao certo, e só. Um só objetivo!
   Ela olhava para ele e nada compreendia. Compreendia apenas que ele era terrivelmente, infinitamente infeliz."    (p.339)

sexta-feira, 27 de julho de 2012